5 de ago. de 2010

Alastramento

Era segunda-feira. Um dia naturalmente cinza. Um dia naturalmente silencioso, apesar do barulho infernal do tráfego lá fora.

Um dia mau-humorado.

Ele esperou pela condução no mesmo ponto de sempre. Tinha duas ou três opções de linhas para chegar ao trabalho, mas hoje nenhuma delas passou. Teve de pegar uma outra que o deixava mais longe do arranha-céu onde ficava seu escritório. Tentou pensar pelo lado bom, dizendo a si mesmo que precisava fazer mais exercícios do que a pelada do fim-de-semana.

Mas ele estava um pouco atrasado hoje. O peso da responsabilidade lhe doía os ombros. Só podia ser isso, porque pelada não se joga com os ombros. Tentou não ficar irritado. Procurou por alguma menina bonita dentro do ônibus. Ele sempre estava cheio, então era quase certo que haveria alguma.

No fundo do ônibus, alguns adolescentes ouviam música com o alto-falante de um celular. Depois que percebeu isso, custou a conseguir "não ouvir" a música irritante que saía daquele aparelho.

Perto da roleta, pessoas em pé seguravam na barra superior. Alguns poucos com óculos escuros. Muitos com seus solitários fones de ouvido, ouvindo uma música silenciosa. E literalmente todos de cara fechada, letárgicos, olhando para o nada.

Dava pra ver a curvatura descendente das sobrancelhas...

Tentou olhar para fora. O ônibus conseguia até andar rapidamente pela pista exclusiva, mas os carros faziam fila na pista lateral. A obra à frente era para melhorar a vida de todos, mas causava um transtorno imenso naquele momento. E isso já durava alguns meses.

Ele sabia que os ônibus teriam que passar para a pista lateral em algum momento. Congestionamento. Também do estômago: o pão integral tostado não tinha caído bem.

Estava difícil não ficar de mau humor.

No viaduto de acesso, mais carros e ônibus. Motoqueiros arriscavam a vida, apenas a parte superior do capacete passando bem perto das janelas do coletivo. A velocidade deste, por sua vez, foi ficando cada vez menor, até parar de vez.


Ali.


De algum lugar lá embaixo, subiu um ipê amarelo. É claro que ele já estava lá antes, mas foi só nesse momento que ele o percebeu. E, no alcance de sua mão, um ramo tão amarelo que parecia ser a única coisa colorida da segunda-feira. O mau-humor se dissipou.

No instinto, colheu. Olhou rapidamente em volta e entregou para a mulher mais próxima. Era a que estava segurando sua mochila.

Não disse nada. Apenas entregou, sorriu e voltou a contemplar o horizonte, agora verde.

Ela: susto. Dúvida, vergonha, dúvida. Hesitação. Sorriso sem-graça, para ninguém. Cheiro de flor de ipê. Pensamentos rápidos. Sentimentos cálidos.

Quando todos os outros à volta perceberam que se tratava de uma simples gentileza, na definição mais pura da palavra, tiveram a mesma reação.

O João, a Maria, o Antônio, a Fátima.

Se entreolharam, e os sorrisos se cruzaram.

Uma pessoa lá atrás soltou uma única gargalhada nasal.

A senhora que sentava do lado da presenteada sorriu de volta para ele.

Ele pediu a mochila de volta, agradecendo, desejando um "bom dia" sorridente. Deu sinal e desceu. Para um trabalho produtivo, como há muito não conseguia.

À noite, em casa, abraçou a esposa e disse que a amava - sem cobrar nada em troca.

E o psiquiatra da agraciada nunca a tinha visto tão animada e alegre - ele quase deu alta.

E o filho do João nunca havia recebido um abraço tão efusivo - finalmente sentiu seu pai próximo. E o marido da Maria nunca havia jantado com ela sem a TV ligada na novela - foi uma noite como há muito tempo não tinham. E os vinte e três alunos do Sr. Antônio nunca tiveram uma aula tão divertida - nunca aprenderam tanto. E a mãe da Fátima nunca viu a filha tão bonita e radiante - naquele dia, ela melhorou de saúde.


A noite daquela segunda-feira nunca foi tão florida e amarela.