20 de mai. de 2009

Discordo de Vinicius e de Camões

É claro que discordar ao mesmo tempo de dois poetas deste calibre é quase uma afronta à língua-pátria em si. Mas discordar de um poema é fazer outro.

Este, em dois atos, foi inspirado em uma conversa-de-madrugada-pré-noite-mal-dormida-por-ansiedade-causada-por-motivos-não-relacionados. Não é pra entender mesmo.


- I -

O fogo é efêmero.

É preciso alimentá-lo, constante e incessantemente.
Senão, com o passar do tempo, o fogo vai se esvaindo.
E ele precisa que seja alimentado em duas frentes.


A água é eterna.

Ao contrário, a água permanece. Inteira e segura.
Com o tempo, vai mudando de forma e de lugar.
Mas fica, mutante, existente por si própria.


O fogo é dependente.

Ele não existe sem as condições necessárias.
É rápido, mas consome tudo rapidamente e some.
Tem dificuldade em sobreviver sozinho.


A água é emancipada.

Ela consegue existir praticamente em qualquer lugar.
E consegue ir facilmente para qualquer outro lugar.
Sem nenhum esforço.


O fogo é uniforme.

Não existe em outras formas e roupagens.
Só existe ali, daquele jeito, da mesma forma.
Nos dá sempre a mesma sensação.


A água é mutante.

É possível encontrá-la sob várias formas.
E, por isso mesmo, está em todos os lugares.
E nos provoca os mais variados sentimentos.


O fogo é ávido.

Ele facilmente sai de controle.
E, com isso, quase sempre nos machuca.
Nem sempre é fácil apagá-lo sem o tempo.


A água é serena.

É fácil direcioná-la para onde você quer.
É refrescante, é relaxante. Ela cura.
Com ela, é fácil limpar e purificar.


O fogo é cinzas.

Cinzas que quase nunca são aproveitadas.
Aliás, ao contrário: servem apenas para bagunçar.
E depois dá um trabalhão para limpar.


A água é renovação.

Ela é um dos resultados do próprio processo.
Com ela, dá pra limpar as cinzas que o fogo deixa.
Aliás, ela sempre te dá exatamente o que você quer.


Não sou, apesar de tudo, contra o fogo.
Nas doses certas, todos gostamos.
Pois o fogo e a água não se cancelam.
Se complementam.


- II -

Minha vida é um ribeirão
Que encontrou outro riacho.
Com este virou turbilhão
Que corre gerando facho:

Uma labareda gigante
Sobre calma sepulcral.
Seguem juntos, adiante
Só que o mar não é o final.

Nossa poesia é, do mar aberto,
Voltar à nascente inicial.
Nossa poesia faz fogo de água:
Pois digo que a poesia é o real.