25 de fev. de 2006

Memórias IV

Canção à Lua Nova
Novembro de 2005

Quando você voltar,
De uma manhã à outra eu sorrirei,
E sobre tenras flores dormirei,
Em teu seio e em meus sonhos,
E entre duendes, sempre risonhos.

Quando você voltar,
Na Terra nada se apagará.
Em toda a sua chama se lerá
A cor da vida que me cativou
Trazendo-me cá pra onde estou.

Oh! Lua de tantas canções e poemas,
De tantas metáforas, centenas,
De fases escondidas, nuas,
Outrora dando a cara nas ruas,
Rainha oculta de um reino escancarado,
Pequena luz de um dia ensolarado!

Volte, volte para a noite escura
Que as estrelas pedem tua cura;
Que eu (ai de mim!) te espero,
Cão solitário, uivo - Te quero...

Oh! Lua de prata espelhada, só,
Trocando seu pirlimpimpim em pó,
Lua dourada, avermelhada, de mel,
Ostentando um brilho único no céu,
Mãe protetora dos enamorados,
Encantadora dos seres encantados!

Volte, volte pra teu lugar de direito
Há estacas rodeando meu peito,
Que eu (ai de mim!) te rogo:
- Volta, volta, volta logo!

10 de fev. de 2006

O Anjo Musical

Um belo dia eu resolvi que voltaria a pé pra casa a partir daquela noite. E realmente o fiz. Mas uma das coisas que me fizeram pensar duas vezes foi o fato de não acontecer mais nenhum "caso de ônibus", alguns deles já relatados aqui.

Mas eu estava enganado.

Ontem estava eu lá, começando a minha caminhada diária de 6 quilômetros. Eu estava tendo aqueles pensamentos "rosa": belos e atraentes, irresistíveis, mas cheios de espinhos, que me machucavam. O pior é que eu tinha pura consciência de que eu era quem me machucava: bastava que eu parasse de pensar aquelas coisas. Mas há momentos em que a gente não consegue.

Neste momento, parei pra esperar os carros passarem e eu poder atravessar a rua. Do meu lado, surgiu uma garota. Do meu tamanho, com cabelos castanho escuros até um pouco abaixo do ombro, lábios bonitos. Usava uma camiseta branca, calça jeans e tênis. E usava um fone de ouvido. Balançava a cabeça divertidamente, curtindo a música. Nada de mais nesse fato.

O passo dela era mais rápido que o meu, e do outro lado da rua ela já estava bem na minha frente. Foi quando eu vi ela levantar os braços e "dançar" a música, sob o olhar atento e admirado dos outros pedestres. Achei aquilo super divertido, e pensei comigo: "Ora, ainda ontem era EU quem estava fazendo isso. Eu consigo sim parar de pensar bobeira e curtir o momento, assim como ela."

Por incrível que pareça, ela andou na minha frente durante boa parte do caminho, acho que ela também tinha resolvido caminhar como eu. Fiquei observando e me divertindo com a maneira pela qual ela curtia a música dela sem se preocupar com nada.

Dois momentos foram marcantes. O fone de ouvido que ela usava era daqueles que penduram nas orelhas e têm um arco que passa atrás do pescoço. Até ali, este arco estava por cima dos cabelos dela, prendendo-os. Ela resolveu puxá-los pra cima de modo a fazer o fone de ouvido passar por baixo dos cabelos dela. Foi uma espécie de libertação. Talvez a hipnose do momento aumentasse um pouco a beleza dos seus cabelos soltos, mas gostei demais daquele movimento dela.


E depois, quando ela se separou de mim. Torci pra que ela virasse à esquerda, que era o meu caminho, mas ela foi à direita. Olhei pra trás um número incontado de vezes, só pra observar mais uma vez a garota que, sem saber, fez toda a minha auto-flagelação na alma sumir como mágica.

Só me arrependi de não lhe ter perguntado o nome, apenas o nome. E de não lhe ter dado o endereço deste blog depois disso.

6 de fev. de 2006

Percepção

Cheguei ao local um pouco atrasado, mas antes do auge da festa. Entrei e fiquei procurando alguém que eu conhecia, pra poder me localizar lá dentro. Até que achei a mesa dela e fui até lá cumprimentar o pessoal da família, pais, amigos que estavam lá.

Eis que ela apareceu, cheia de sorrisos e felicidade. Lá ela estava, clara e brilhante, exuberante, maravilhosa. Ela já era linda, e com a felicidade exalando, como um perfume afrodisíaco, ficou ainda mais bela.

Quando me viu, sorriu ainda mais. Julgava impossível achá-la mais bela, mas o novo sorriso me fez enganado. Os olhos brilhantes, de sorriso próprio, vieram na linha mais reta que já vi, na minha direção, me atacando como raios. Ela veio saltitando, feliz da vida que eu estava lá. Eu jamais faltaria, é claro. Porém, a minha presença, de alguma forma, mesmo sendo totalmente confirmada e esperada, foi bastante comemorada por ela.

Ela me abraçou gostosamente. Não há palavra melhor pra esse abraço: gostosamente. Não foi deliciosamente, não foi confortavelmente, não: gostosamente. Foi rápido, mas eterno. Escutei um ou dois "eu te amo" ao pé do ouvido (coisa boa, experimentem). Impossível não sorrir também.

Depois, quando ela começou a afastar a cabeça para "terminar" o abraço, qual não foi a minha supresa ao ver que ela não se desvencilhou. Apenas mirou os olhos dela nos meus por um breve momento, suficiente para meu coração saltar uma batida. O sorriso infinito ainda aberto.

E aí ela me deu um selinho, do mais puro amor.

Adorei estar lá. Conheci pessoas novas e interessantes, re-conheci pessoas velhas mas ainda interessantes, reconstruí os blocos da amizade e coloquei mais alicerces para as novas. Percebi que estou conseguindo sair da minha bolha pessoal, e entrar na de outras pessoas, não porque eu quero, mas sim porque elas querem.

Também gostei de perceber, mesmo que inconscientemente, que as pessoas são cheias de carinho pra dar, assim como eu. E que elas realmente se importam. E que eu realmente sou importante demais na vida das pessoas. Que eu realmente faço alguma diferença, amenizo alguma tristeza, multiplico alguma alegria, ilumino algum caminho, dissipo alguma dúvida.

Pequenos momentos na vida, que nos fazem ter esperança dentro de um mundo cheio de mazelas.

Um único momento em toda a noite para transformá-la para sempre.

3 de fev. de 2006

Memórias III

Eu odeio
Dezembro de 2003

Eu odeio as quartas-feiras. São dias como outros quaisquer. Como a terça, por exemplo. Mesmo assim, não gosto das quartas.
Eu odeio a agonia de dez pras seis. O frenesi de cinco pras seis. O 2150. A solidão das seis e trinta e cinco.
Eu odeio as sete horas, pois é quando penso que poderia ter feito mais. Dito mais. Nada além dos limites da normalidade, mas mais. Pelo menos com mais intensidade.
Eu odeio a hora do almoço de sexta. E também odeio as segundas-feiras. Não tanto quanto as quartas, pois essas fazem quatro virarem um mais dois.


Eu odeio pensar.

Eu odeio me classificar, erroneamente, de ineficiente. De inexperiente. Odeio perceber que estou errado. E odeio constatar que pensei erroneamente só pra que eu pudesse me odiar depois.
Eu odeio perceber que, de quando em vez, tento levar as coisas da maneira que todos levam. Odeio perceber que sou autêntico, sim, mas por vezes deixo essa virtude de lado para ser um pouco mais do comum.
Odeio realizar que, mesmo tendo consciência que as coisas estão caminhando para onde eu gostaria, insisto em fingir normalidade. Odeio ser o profeta do nada.


Eu odeio a explicitude das coisas.

Principalmente quando ela grita na sua cara, me fazendo achar que sou a única pessoa alheia do mundo àquilo. Mas também odeio metáforas demais.
Eu odeio ser o último a saber, mesmo sendo o primeiro. Odeio saber, ter certeza, e fingir ignorar. E odeio perceber que finjo ignorar aquilo que eu mesmo construí, e ainda faço questão de aumentar.


Eu odeio o pouco tempo.

Não a falta dele, mas o curto espaço de tempo. Tanto o pouco tempo psicológico quanto o cronológico.
Eu odeio tentar transformar quinze minutos em quinze horas. E, diante do meu fracasso nesse objetivo, odeio ter que viver cada segundo desses quinze minutos da maneira mais preciosa possível, quase desesparadamente.
Eu odeio cada segundo de silêncio desses quinze minutos. Parece que desperdicei um dia inteiro da minha vida.


Eu odeio a ansiedade.

Por vezes, tento fazer com que as coisas sejam mais rápidas do que elas devem ser. Em alguns momentos, realmente elas o são. Em outros, o tempo parece parar.
Eu odeio perceber que quero andar mais rápido que eu mesmo. Do que meu próprio ritmo.
Eu odeio ter que inventar uma situação hipotética diferente todos os dias, pra curtir o meu próprio pensamento repetitivo. Eu odeio ter que inventar situações ruins também, só pra desencargo de consciência.
E odeio mais ainda quando não consigo inventar nada.


Eu odeio ser interrompido.

Não pelas pessoas, mas pelo meu próprio cérebro. Odeio ter que me acordar de um sonho acordado. Ainda mais quando não sonho com os meus pensamentos, mas sim com meus sentimentos.
Não odeio o pensamento em si, porém.


Eu odeio o não-ceticismo.

Não que eu seja cético por completo, mas não sobreviveria acreditando nas relações entre as pessoas num mundo onde elas não importam. Pelo menos para as outras pessoas em geral.
Mas eu odeio ter que ser assim.


Eu odeio a falta de inspiração.

Mesmo quando ela está a todo vapor. Odeio ver uma criação incompleta diante de mim. Odeio vê-la completa e revisar umas duas ou três vezes. Odeio revisar algo que deveria existir sempre no seu estado bruto. Cru. Pois é quando a criação reflete mais do seu criador.
Odeio ficar sem uma supresa pra fazer. E odeio ainda mais quando invento uma surpresa e não posso realizá-la. Isso nunca aconteceu, mas tenho certeza que vou odiar.


Eu odeio ter que terminar este texto.

Odeio terminar com minha diversão. Chame-me louco; mas se eu não consigo me divertir sozinho, como seria? Odeio saber que, daqui a pouco, vou ficar imaginando mais situações. Vou dividir a linha do tempo com o antes e o depois do dia da inspiração.

E vou esperar, durante toda a quarta-feira. Passando pelas seis e trinta e cinco e pelas sete horas, pensando que tudo está dando certo, mas errado, de maneira explícita, tentando fazer o dia correr mais rápido, ansioso, desacreditado com um mundo sem inspiração, me divertindo com meus próprios pensamentos...

... até chegar a quinta-feira.


E é por isso que eu adoro esse jogo.