26 de set. de 2005

Solitária Flor

Não temos mais campos verdejantes até onde a vista alcança todos os dias para ver. Tanto é que a cena que descreverei aconteceu num jardim -- mais um gramado, na verdade -- à frente de um lote vago. Fica do lado de onde pego ônibus todos os dias. Mas, para todos os efeitos, imaginem um descampado enorme. Daqueles que só vemos em Minas Gerais.

Pois bem. Estava eu admirando a natureza neste descampado. Tudo era verde, só grama. E era plano, muito plano. Era de uma monotonia belíssima, mas ainda assim monótono.

A uniformidade foi quebrada quando meus olhos se prenderam uma pequena flor, solitária, amarela, quase aos meus pés. Ela ficava num cantinho, escondida, tímida. E veio uma corrente de analogias na minha cabeça (adoro quando isso acontece).

Estaria ela no cantinho porque era tímida, mesmo tendo tanto destaque? Estaria ela no cantinho porque queria estar escondida? Porque se achava feia? Teria ela me chamado a atenção bem sutilmente? Ela poderia querer ser notada ao invés de aparecer, mesmo sendo bela... Teria ela medo de ser tão diferente, ao mesmo tempo sendo tão especial?

"Olha o meu ônibus já vem. Preciso dar o sinal para ele parar. Mas você, Florzinha, vem comigo... Jamais te abandonarei de novo."

19 de set. de 2005

A Barra

Ela vai daqui até aquela parede.
Não, daqui até aquela outra parede.

Talvez não. Daqui até a porta do corredor.
Melhor: daqui até a porta da rua.

Não sei, daqui até a rua?
Daqui até aquele poste lá fora?

Daqui até aquela casa do outro lado da rua.
Não, não, a outra casa.
Talvez aquele prédio.
Aquele lá no fundo. Fica no outro bairro.

É, isso, daqui até aquele outro bairro.
Mais longe, o outro.
Ou ainda até aquela cidade.

Daqui até lá do outro lado do país.
Ou até aquele outro país, melhor.

Até aquele planeta.
Aquela estrela.
Aquela galáxia...

Hmm, já sei: daqui até o seu coração.

16 de set. de 2005

Soneto à Tecnoanarquia

"Tecnoanarquia?" - perguntas - "És louco."
Digo-te que sou, embora um tanto pouco.
Já estou cheio desse equilíbrio dinâmico
Que acaba por ser um problema endêmico.

"Ora!" - rebato - "Tenho a esperança aqui."
Eis que, quando em breve a gravata cair
E o peso da base inverter o jogo
Aí então poderemos apagar o fogo.

Não quero ver esquerda nem direita
Para além do horizonte da estrada
Pois é apenas o que minha memória aceita

E computador que sou, literalmente
Verei tudo, mas não haverá nada
E serei então livre, à minha mente.

- Rubem Mattos


12 de set. de 2005

Home Alone

Tempos divertidos são aqueles em que você se vê sozinho em casa. Seus pais viajam, seus irmãos saíram e não voltarão tão cedo. Você tem a casa toda só pra você.

Claro, isso no caso de quem mora com a família. Quando se mora sozinho ou com uns amigos, ficar sozinho deve ser uma coisa rotineira. Aí, encher a casa é que é divertido.

Anydangway, estava eu sozinho em casa e planejando o que eu poderia fazer de divertido sem que meus pais sonhassem. Matutei, tive um monte de idéias, mas não realizei nenhuma. Preferi curtir minha própria mente (e meu jogo de computador algumas vezes), coisa que já faço rotineiramente. Pode parecer uma ironia, mas não o é.

Pensar e refletir sozinho é melhor do que fazê-lo em companhia de alguém. Com conhecidos ou amigos, acho até difícil fazer isso, e com desconhecidos, como no caso do ônibus ou na rua, eu me sinto exposto e sem liberdade para pensar o que eu quiser. Mesmo sabendo que as pessoas não podem ler a minha mente.

Então. Aí pensei que eu poderia ligar para uma galera pra tomar uma cerveja em casa, de leve (sim, porque festonas na minha casa, como diria aquela propaganda, não seriam uma boa opção para um domingo à tarde). Depois pensei que poderia ligar para uma menina e... bem. Descobri que não tinha uma menina para ligar. Tudo bem. Eu fico com a minha mente mesmo.

Fui pro computador jogar um pouco de GTA: San Andreas. Realizei uma missão na qual você deve invadir um avião em processo de decolagem com uma moto, matar todos lá dentro, roubar um pára-quedas, plantar uma bomba e pular, ativando a bomba. Divertido.

De qualquer forma, às vezes penso que meus domingos são meio vazios. Se bem que eu estava precisando muito de um como este: 24 horas à toa.

Os Silvas mandaram bem de novo:

Some girls are bigger than others
Some girls are bigger than others
Some girls' mothers are bigger than other girls' mothers
- The Smiths [Some Girls Are Bigger Than Others]


Quisera eu que a diferença fosse somente no tamanho...

8 de set. de 2005

Person = Fields

Um poema de Álvaro de Campos que gostei muito, e que reflete parcialmente meu estado de espirito atual. Ô, vida difícil!

NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) --
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?

Não me macem, por amor de Deus!

Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!

Ó céu azul -- o mesmo da minha infância --
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.

Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!
- Álvaro de Campos [Lisbon Revisited (1923)]

Alguém avise aos Deuses que estou de mal deles, ok?

2 de set. de 2005

O Sr. Anderson e o Sr. Council

I am definitely maybe not feeling good for today on.

If you didn't care what happened to me,
And I didn't care for you,
We would zig zag our way through the boredom and pain
Occasionally glancing up through the rain.
Wondering which of the buggars to blame
And watching for pigs on the wing.

- Pigs on the Wing, Part I [Pink Floyd]
Just to show you how I am.

1 de set. de 2005

(In)direta

Foi quando eu me sentia mais preparado. Quando eu pensava que estava dando tudo certo, e que tudo estava caminhando da maneira que todos esperamos.

Aí vem você, como um furacão, revirando tudo o que eu custei a organizar.

Você tinha que estar tão linda ontem? Tinha? Tinha que me jogar sorrisos que me desorganizavam os pensamentos?

Tudo em você era lindo ontem. Seu cabelo, seu sorriso, sua mão, seus culotes, seus seios, seus olhos, suas idéias, sua intranquilidade, sua revolta, seu papo, seu silêncio, seu canto, suas maçãs do rosto, sua indignação, sua indecisão, sua maturidade, sua metamorfose...

Ontem descobri que, quanto mais mulher você se torna, mais você se torna linda pra mim.

Quando o seu ônibus chegou, eu desejei com toda a força que ele ficasse lotado, pra que você pudesse ficar com preguiça e pegar o próximo. Mas você se levantou. Então eu desejei com toda a força que acontecesse alguma outra coisa que te impedisse de pegar aquele ônibus.

Mas quando você me deu o abraço de despedida, aí caiu a ficha e voltei à realidade. Então, a única reação que tive foi te abraçar de novo.

Ainda fiquei uns cinco segundos te olhando ir em direção ao ônibus. Pareceram minutos. E quando você sumiu atrás da placa de publicidade, comecei a tomar o meu caminho, mas fazendo força, apertando os olhos, com os punhos cerrados, tentando segurar a bomba atômica que você tinha acabado de detonar em mim.

Dizem que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Pode ser, mas o cupido acerta duas vezes no mesmo lugar -- com a mesma flecha. E dessa vez, ele acertou em cheio...

Mas eu já estou melhor, não se preocupe.

Não choro
Meu segredo é que sou rapaz esforçado
Fico parado, calado, quieto

Não corro, não choro, não converso
Mascaro meu medo,
Massacro a minha dor, já sei sofrer
Não preciso de gente que me oriente
Se você me pergunta: como vai?
Respondo sempre igual: tudo legal

Mas quando você vai embora
Movo meu rosto no espelho
Minha alma chora...
- Mal Secreto [Waly Salomão e Jards Macalé]