3 de fev. de 2006

Memórias III

Eu odeio
Dezembro de 2003

Eu odeio as quartas-feiras. São dias como outros quaisquer. Como a terça, por exemplo. Mesmo assim, não gosto das quartas.
Eu odeio a agonia de dez pras seis. O frenesi de cinco pras seis. O 2150. A solidão das seis e trinta e cinco.
Eu odeio as sete horas, pois é quando penso que poderia ter feito mais. Dito mais. Nada além dos limites da normalidade, mas mais. Pelo menos com mais intensidade.
Eu odeio a hora do almoço de sexta. E também odeio as segundas-feiras. Não tanto quanto as quartas, pois essas fazem quatro virarem um mais dois.


Eu odeio pensar.

Eu odeio me classificar, erroneamente, de ineficiente. De inexperiente. Odeio perceber que estou errado. E odeio constatar que pensei erroneamente só pra que eu pudesse me odiar depois.
Eu odeio perceber que, de quando em vez, tento levar as coisas da maneira que todos levam. Odeio perceber que sou autêntico, sim, mas por vezes deixo essa virtude de lado para ser um pouco mais do comum.
Odeio realizar que, mesmo tendo consciência que as coisas estão caminhando para onde eu gostaria, insisto em fingir normalidade. Odeio ser o profeta do nada.


Eu odeio a explicitude das coisas.

Principalmente quando ela grita na sua cara, me fazendo achar que sou a única pessoa alheia do mundo àquilo. Mas também odeio metáforas demais.
Eu odeio ser o último a saber, mesmo sendo o primeiro. Odeio saber, ter certeza, e fingir ignorar. E odeio perceber que finjo ignorar aquilo que eu mesmo construí, e ainda faço questão de aumentar.


Eu odeio o pouco tempo.

Não a falta dele, mas o curto espaço de tempo. Tanto o pouco tempo psicológico quanto o cronológico.
Eu odeio tentar transformar quinze minutos em quinze horas. E, diante do meu fracasso nesse objetivo, odeio ter que viver cada segundo desses quinze minutos da maneira mais preciosa possível, quase desesparadamente.
Eu odeio cada segundo de silêncio desses quinze minutos. Parece que desperdicei um dia inteiro da minha vida.


Eu odeio a ansiedade.

Por vezes, tento fazer com que as coisas sejam mais rápidas do que elas devem ser. Em alguns momentos, realmente elas o são. Em outros, o tempo parece parar.
Eu odeio perceber que quero andar mais rápido que eu mesmo. Do que meu próprio ritmo.
Eu odeio ter que inventar uma situação hipotética diferente todos os dias, pra curtir o meu próprio pensamento repetitivo. Eu odeio ter que inventar situações ruins também, só pra desencargo de consciência.
E odeio mais ainda quando não consigo inventar nada.


Eu odeio ser interrompido.

Não pelas pessoas, mas pelo meu próprio cérebro. Odeio ter que me acordar de um sonho acordado. Ainda mais quando não sonho com os meus pensamentos, mas sim com meus sentimentos.
Não odeio o pensamento em si, porém.


Eu odeio o não-ceticismo.

Não que eu seja cético por completo, mas não sobreviveria acreditando nas relações entre as pessoas num mundo onde elas não importam. Pelo menos para as outras pessoas em geral.
Mas eu odeio ter que ser assim.


Eu odeio a falta de inspiração.

Mesmo quando ela está a todo vapor. Odeio ver uma criação incompleta diante de mim. Odeio vê-la completa e revisar umas duas ou três vezes. Odeio revisar algo que deveria existir sempre no seu estado bruto. Cru. Pois é quando a criação reflete mais do seu criador.
Odeio ficar sem uma supresa pra fazer. E odeio ainda mais quando invento uma surpresa e não posso realizá-la. Isso nunca aconteceu, mas tenho certeza que vou odiar.


Eu odeio ter que terminar este texto.

Odeio terminar com minha diversão. Chame-me louco; mas se eu não consigo me divertir sozinho, como seria? Odeio saber que, daqui a pouco, vou ficar imaginando mais situações. Vou dividir a linha do tempo com o antes e o depois do dia da inspiração.

E vou esperar, durante toda a quarta-feira. Passando pelas seis e trinta e cinco e pelas sete horas, pensando que tudo está dando certo, mas errado, de maneira explícita, tentando fazer o dia correr mais rápido, ansioso, desacreditado com um mundo sem inspiração, me divertindo com meus próprios pensamentos...

... até chegar a quinta-feira.


E é por isso que eu adoro esse jogo.

3 comentários:

Ana disse...

"Chame-me louco; mas se eu não consigo me divertir sozinho, como seria?"

eu amei essa frase!

Gude disse...

Ah! Mas não é a mais pura expressão da verdade? :)

Flávia Denise de Magalhães disse...

domingos à tarde, segundas à noite... Não tem como gostar desses tb.