5 de nov. de 2005

Máscara

A chuva é mágica. Senti isso quando desci do ônibus. Chuva que era fina, mas molhava, e muito. Os meus companheiros de ponto de ônibus todos correram para suas casas. Eu não. Só tive o cuidado de passar meu celular do bolso da calça para dentro da mochila (que nem é tão impermeável assim). Dali pra frente, foi um desafio.

Desafio sim, porque eu desafiei a chuva. Sentia as gotas escorrendo pelo meu couro cabeludo. Não era suor. Sentia a baixa temperatura entrando dentro do meu tênis quando eu pisava nas poças. De propósito.

Te parece algo feliz? Pois é. Eu não estava. Estava de cara amarrada. Olhava para o céu, não achava nenhuma estrela, e muito menos a lua. Senti meus ombros ficarem cada vez mais frios.

Foi quando no meio do quarteirão, algo em mim explodiu:

- É só isso que você pode mandar pra mim?

Eu falava com a própria chuva. Aproveitei que não havia ninguém andando por ali, nenhum carro por perto, ninguém nas janelas da redondeza. E fiz a minha loucura, só.

- Vem mais! Mais! - eu dizia com o meu braço em riste.

Porém, nada acontecia. E isso, ao invés de me acalmar, me enraivecia mais.

- Vem cá! Quero ver o que você pode fazer! Me molha todo! Anda!

Nisso eu já estava virando à esquerda (do ponto até a minha casa, só há uma mudança de direção). A rua da minha casa é mais movimentada, e fiquei com vergonha de falar sozinho. Eu não estava falando sozinho, mas quem iria pensar que eu estava desafiando a chuva?

De modo que, assim, eu me recolhi aos meus pensamentos. Nada que me impedisse de levantar a face e sentir a chuva caindo. Era fria, mas eu não sentia isso. Só sabia. E também apertava as mãos e os olhos, tentando me segurar pra não transformar em atos meus esbravejos contra a chuva.

Quase chegando, saí debaixo de uma árvore de propósito só pra pegar mais chuva. E outro pensamento, desta vez em frente à padaria, e em voz alta, veio:

- Ah! Não consegue fazer mais que isso, hein?

Ao que fui respondido com um relâmpago - sem trovão. Relâmpago que respondi com um delicioso "Ah!", como que aliviado pela resposta.

A chuva aumentou logo que entrei pelo portão do prédio. Ainda havia uma parte aberta até o portão interno, então disse:

- Só agora, quando eu já estou indo, não é?

Abri o portão de dentro com a minha chave, e antes de fechar, virei:

- Eu te vejo depois.

E subi as escadas.


Nota 1: Eu sou muito mais louco do que eu próprio pensava. Não se assustem se pensarem o mesmo.
Nota 2: Até que deu pra distrair da minha angústia durante uns cinco minutos.
Nota 3: Se a chuva me lavou a alma, eu não sei... Ainda estou para descobrir.

3 comentários:

Anônimo disse...

Eu tinha um amigo que também conversava com a chuva. Isso foi logo antes dele decidir que era Deus.

Anônimo disse...

louco? imagina...
isto é puro sinal de sanidade e de sintonia interna.
preserve sua inquietude, não perca essa vontade de movimentar as coisas e de desafiar até mesmo a chuva com seus raios e trovões.

o mundo está precisando de mais gente assim.

um beijo enorme pra você, ôu.

Daemon disse...

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